O que deu para fazer em matéria de história de amor, Elvira Vigna

o-que-deu-para-fazer-em-materia-de-historia-de-amor-elvira-vignaOntem foi aniversário da minha mãe. Eis o que ela, no fim da festa, me disse: “nesses anos todos, aprendi que família é uma coisa complicada”. E eu: “sim, não somente a nossa, mas todas as famílias, em alguma medida, todas as relações”. Eu, que sempre tive uma visão cor de rosa do mundo, estou convencida de que não existem histórias ideais. E vamos tentar ser feliz assim mesmo. Lendo “O que deu para fazer em matéria de história de amor”, de Elvira Vigna, essa constatação (ou perda de fé ou perfeito estado de aceitação diante do mundo) bateu em meu coração, em minha mente. E esse é um dos grandes poderes da prosa de Elvira Vigna – conversar conosco, tocar as feridas falando aquilo que, muitas vezes, a gente finge não escutar.

A narradora de “O que deu para fazer em matéria de história de amor”, em certo momento, avisa que, em matéria de amor, não deu para fazer muito. E, ainda assim, ela tenta recontar a história do triângulo amoroso entre Gunther, Arno e Rose, do qual nasce Roger, com quem ela própria mantém um longo e indefinido relacionamento. São fragmentos das histórias desses personagens comuns, com histórias de amor longe de finais felizes. Uma ficção muito mais perto da vida real.

Mais uma vez, o adultério está presente na literatura de Elvira Vigna. A traição, assim como Roger, une todos os personagens dessa trama. E a mentira traz dores, descontentamentos e nuances do que é parte da vida, mesmo quando se tenta ser feliz. E é neste mundo em que vivem esses personagens disfuncionais, tão falhos, tão cheios de amor, tão cheio de dúvidas. Tão humanos. Tão como a gente.

Frases e parágrafos curtos, jogos de palavras e conclusões sobre diversos assuntos ficam longe de parecer clichês ou imaturidade narrativa com Elvira Vigna. Sua prosa é magistralmente arquitetada com a alma (é o que me parece, pelo menos) e, por isso, é cheia de força, de sentimento. É impossível ler Elvira Vigna e não sentir aquele nó na garganta ou algo rasgando dentro de si. É impossível.

Lendo seus livros ou entrevistas, percebo que Elvira Vigna é uma mulher inteligentíssima, moderna e que sabe o que faz em matéria de literatura – mesmo quando diz que não. E, se não sabe mesmo, deveria saber que está fazendo literatura da melhor qualidade.

“Continuam (continuamos) apregoando o que há a oferecer. A dificuldade é que não nos parece mais tão essencial, o entendimento. Não precisamos mais tanto, do sentido. Vivemos muito bem sem eles, com nossos conjuntos de agoras a mudar a cada instante. É este o nosso foda-se, dito em conjunto, em coral planetário. É esta a irrelevância. Então, é assim que continuo. São estas as premissas. E, mesmo assim, continuo. Talvez só porque já comecei. Busco a sedução, o prazer, mesmo sabendo que o que ele embrulha é anacrônico, inútil”. 

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O que deu para fazer em matéria de história de amor

Elvira Vigna

Companhia das Letras

2 comentários

  1. Bom dia, Carla!
    Curti a resenha que fizeste, sobretudo porque este livro – por causa do título – tem me espreitado a atenção. Penso que a tua observação sobre o estilo da Elvira contribuiu pra eu ficar com mais vontade de ler…
    E sobre ficção-mais-real-que-fictícia: não tem jeito, essa é a forma de autoajuda velada que nos desce a garganta mais facilmente. 😀
    bjao!
    (o Livros. Mais livros. está no meu blogroll! )

    1. Oi, Camilla!
      Leia sim a Elvira Vigna. É uma escritora de mão cheia. Dela também li o “Nada a Dizer” e foi uma das minhas melhores leituras no ano passado. É uma prosa nada reconfortante, mas muito verdadeira.
      Seu blog também está aqui na minha lista. E sempre o leio, mesmo quando não comento.
      Beijo, boa semana!

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